terça-feira, 17 de novembro de 2009

Cardeno de Sistematização - Texto Base


Apresentação

A 1ª Conferência Estadual de Comunicação (CONECOM) pretende promover a participação ampla e democrática de todos os segmentos da sociedade alagoana, buscando refletir a opinião de todos os campos sociais nela representados, na tentativa de consolidar mudanças na estrutura do modelo de Comunicação Social.

Objetivos

A 1ª Conferência Estadual de Comunicação – CONECOM, convocada pelo Decreto Governamental, de 16 de julho de 2009, será realizada nos dias 21 e 22 de novembro de 2009, sob a Coordenação da Secretaria Estadual de Comunicação (SECOM) e supervisionada pela Comissão Organizadora Estadual (COE), tem como Tema: “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital” e como lema: “Comunicação para emancipação humana”.
A CONECOM tem como objetivo geral a formulação de propostas orientadoras de Políticas Estaduais de Comunicação, com os seguintes objetivos:

I – pactuar princípios e definir diretrizes para a construção das políticas públicas de comunicação;
II – apresentar propostas para elaboração do Plano Estadual de Comunicação e suas formas de execução;
III – contribuir de forma efetiva para a garantia do direito à informação, através da consolidação do processo de democratização da Comunicação e do livre acesso à informação;
IV - definir diretrizes para o fortalecimento, valorização e financiamento da mídia pública (Educativa, Comunitária, Universitária, Legislativa e Judiciária);
V – elaborar e sistematizar propostas para serem encaminhadas a 1ª Conferência Nacional de Comunicação – CONFECOM, através da Comissão Organizadora Estadual;
VI - eleger e homologar os 27 Delegados que representaram o Estado, para participar da 1ª Conferência Nacional de Comunicação – CONFECOM a ser realizada nos dias 14,15,16 e 17 de dezembro de 2009, em Brasília – DF.

Temário

Os debates da 1ª Conferência Estadual de Comunicação (CONECOM) serão constituídos de 03 Eixos Temáticos, com seus respectivos subitens, os quais serão debatidos a partir da análise dos desafios e perspectivas das Políticas de Comunicação adotadas no Brasil e em Alagoas, observada a Resolução nº 01 do Ministério das Comunicações, de 10 de setembro do corrente ano.
Constituem eixos temáticos da 1ª Conferência Estadual de Comunicação (CONECOM), vinculados ao tema central da 1ª CONFECOM:

I – Cidadania: Direitos e Deveres - São temas indicativos relacionados ao eixo Cidadania: Direitos e Deveres: democratização da comunicação; participação social na comunicação; liberdade de expressão; soberania nacional; inclusão social; desenvolvimento sustentável; classificação indicativa; fiscalização; órgãos reguladores; aspectos federativos; educação para a mídia; direito à comunicação; acesso à cultura e à educação; respeito e promoção da diversidade cultural, religiosa, étnico-racial, de gênero, orientação sexual; proteção a segmentos vulneráveis, como crianças e adolescentes; marco legal e regulatório. Publicidade e as restrições à propaganda de fumo, álcool e alimentos. Regulamentação da Profissão de Jornalista (criação do Conselho Federal de Jornalistas ou Ordem dos Jornalistas do Brasil).

II – Meios de Distribuição - São temas indicativos relacionados ao eixo temático Meios de Distribuição: televisão aberta; rádio; rádios e TVs comunitárias; internet; telecomunicações; banda larga; TV por assinatura; cinema; mídia impressa; mercado editorial; sistemas público, privado e estatal; multiprogramação; tributação; financiamento; responsabilidade editorial; sistema de outorgas; fiscalização; propriedade das entidades distribuidoras de conteúdo; órgãos reguladores; aspectos federativos; infraestrutura; administração do espectro; publicidade; competição; normas e padrões; marco legal e regulatório.

III -Produção de Conteúdo - São temas indicativos relacionados ao eixo temático Produção de Conteúdo: conteúdo nacional; produção independente; produção regional; garantia de distribuição; incentivos; tributação; financiamento; fiscalização; propriedade das entidades produtoras de conteúdo; propriedade intelectual; órgãos reguladores; competição; aspectos federativos; marco legal e regulatório.

A Conferência Estadual de Comunicação (CONECOM) se desdobrará em quatro momentos:
I – Plenária Inicial
II - Mesas Temáticas;
III - Grupos de Discussão;
IV - Plenária Final.
Os Movimentos Sociais e a Democratização da Comunicação

A convocação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM) é fruto da luta dos movimentos sociais e entidades da sociedade civil organizada que defendem a democratização da comunicação. Diante de todas as dificuldades, a realização da Conferência é uma vitória, já que pela primeira vez na história do Brasil e de Alagoas as políticas públicas de comunicação serão discutidas pela sociedade, alterando a lógica tradicional de tomada de decisões a partir do alinhamento de interesses entre o poder político e o poder econômico. A CONFECOM realiza-se no contexto de um duro enfrentamento às mídias corporativas, capitaneadas pelas rádios e TV’s comerciais, pelas empresas de telecomunicações e os grandes jornais e revistas. Os empresários de comunicação resistiram até ao limite ao debate público das políticas para o setor. Isto se deve ao fato de estarem acostumados a resolver os assuntos de seu interesse através de barganhas políticas nos gabinete de Brasília.

A sustentação ideológica dos interesses da mídia esta embasada no argumento da defesa da liberdade de imprensa (liberdade de empresa). Qualquer iniciativa governamental, parlamentar ou da sociedade civil de estabelecer o controle social sobre os meios de comunicação é logo taxada de ameaça a liberdade ou censura e os seus autores são acusados de autoritários. A situação das empresas de telecomunicação, em sua maioria empresas multinacionais, é diferente: elas não têm o mesmo poder político da radiodifusão comercial, mas têm um poder econômico infinitamente maior e o controle da estrutura física das telecomunicações. Acrescente-se o fato de que o principal interesse das empresas de telecomunicação é a possibilidade de distribuírem conteúdo, o que se choca frontalmente com os interesses das empresas de rádio e TV. Por outro lado, a radiodifusão comunitária e a mídia alternativa não têm poder econômico, só poder político. E só podem contar com o latente poder de mobilização social. Este é o grande trunfo das rádios e TV’s comunitárias e das mídias alternativas: mobilizar as comunidades, fazendo o debate, esclarecendo os interesses em jogo e organizando a mobilização social, junto com os movimentos populares e sindicais, do campo e da cidade.

Ratificamos a importância da participação das Rádios Comunitárias na Conferência de Comunicação, onde também estarão presentes representantes do governo do estado, dos movimentos sociais e empresários de comunicação, pois o processo de legitimação da Confecom é de todos nós A representatividade das Rádios Comunitárias é fundamental para consolidarmos a posição do Movimento de Radiodifusão Comunitárias contra os princípios e os métodos que denigrem, menosprezam, os quais nos opomos e que inviabilizam esse Setor Público de Comunicação Comunitária, tão necessário à verdadeira democratização dos meios de comunicação e da informação. Os debates da Conecom é um espaço privilegiado para a apresentação de premissas que garantam a discussão dos interesses da Radiodifusão Comunitária diante do processo de convergência tecnológica e da busca do controle social dos meios de comunicação.

Há a necessidade de reafirmar a realização de uma Conferência ampla e democrática para permitir a adequação dos artigos constitucionais que tratam da comunicação, os quais esperam por regulamentação desde 1988, quando a atual Constituição foi promulgada. Mais exatamente, deverão ser tratados nesta 1ª Confecom temas como:

(a) novo Marco Regulatório;
(b) reorganização dos sistemas, com o fortalecimento dos sistemas estatal e público;
(c) revisão das concessões com mudanças constitucionais que garantam maior transparência nos processos de outorga e de renovação;
(d) desenvolvimento e definição do padrão de rádio digital, incluindo a Radiodifusão Comunitária; (e) dissolver o inconstitucional e impune monopólio e oligopólio da mídia;
(f) garantir um marco legal para internet para garantir os direitos dos usuários e a liberdade de expressão na rede, livrando-a da censura;
(g) regionalização da produção;
(h) fomento à produção independente;
(i) controle público da mídia;
(j) TVs Comunitárias no sinal aberto;
(l) garantia da diversidade étnica, racial, cultural e religiosa na mídia;
(m) fortalecimento e imediata transformação do Conselho Estadual de Comunicação Social de consultivo em deliberativo.

Não podemos perder a noção dos desafios que estão postos para os movimentos sociais e para os que desejam uma mídia democrática e humanizadora. O atual modelo de comunicação em funcionamento no Brasil representa muito pouco diante das perspectivas daqueles que sonham com a democratização da comunicação e da informação. Agora é que temos que demonstrar competência para debater com eficiência os grandes temas que integram o campo da mídia. Não se trata de trazer especialistas ou personalidades para fazer palestras ou discursos sobre comunicação, mas demonstrar nossa capacidade para sistematizar idéias e propostas sobre os problemas e as questões locais referentes à Comunicação Social para serem apresentadas e debatidas durante a Conferência Estadual (CONECOM) e referendá-las para a Conferência Nacional (CONFECOM). A proposta para a radiodifusão comunitária representa uma oportunidade de avançar rumo à construção de uma Lei Geral da Radiodifusão, que contemple os setores público, estatal e o privado. Esta nova lei deverá assegurar o livre funcionamento das rádios comunitárias, como um serviço público relevante.

O conceito de Radiodifusão Comunitária é uma emissora seja rádio ou TV que utiliza, para suas transmissões, um canal que é público. Portanto ela deve usar este canal em beneficio da comunidade onde está instalada, na defesa dos interesses da população brasileira e da soberania nacional. Uma emissora comunitária deve:

I) Ter caráter público: ser verdadeiramente comunitária sendo uma entidade associativa, sem fins econômicos, aberta à filiação de todo cidadão e cidadã da sua área de abrangência e, além de sua diretoria, deve ter um Conselho Comunitário e respeitar a pluralidade étnica, racial, social, cultural e de gênero. O Conselho Comunitário é o canal de participação popular na emissora e deve contemplar a representação de no mínimo cinco segmentos da sociedade local e estar aberto aos movimentos sociais e a comunidade;

II) Sustentabilidade: uma emissora comunitária deve procurar sua sustentação por meio das contribuições mensais de seus filiados, porém é legitimo que uma emissora comunitária faça a publicidade do setor produtivo local, isto serve para garantir a sobrevivência do veículo e incluir os mesmos que são excluídos do sistema de propaganda comercial, contribuindo para o desenvolvimento local, mas não pode cobrar por mensagens de utilidade pública (assembléia de moradores, festas populares, nota de falecimento, etc.), privilegiando a prestação de serviço à comunidade;

III) Incentivar o debate político: contribuir para a formação cidadão, sem fazer proselitismo partidário, de políticos ou administradores. Ela deve ser plural e estar aberta a todos. O Contraditório deve ser garantido; para todos os assuntos abordados deve ser assegurado o direito de expressão das diferentes opiniões;

IV) Ser laica: Uma emissora comunitária não pode ter uma religião ou fazer propaganda religiosa. Por definição ela deve ser plural e aberta à participação dos moradores. No caso há que se abrir debate sobre a religiosidade da comunidade, com espaços para todas as representações religiosas se expressaram e não servir de púlpito para uma seita ou religião, sendo aparelhada para proselitismo religioso;

V) Ter compromisso com o meio ambiental e os direitos humanos: uma emissora comunitária deve defender um meio ambiente auto-sustentável, saudável, a diversidade e os direitos humanos, especialmente os direitos da criança e do adolescente. Jamais deve veicular manifestações racistas ou homófonas;

VI) Promover a Cultura local: uma emissora comunitária deve divulgar e incentivar os artistas, os músicos, os escritores e os dançarinos da localidade. Assim estará contribuindo para o fortalecimento da identidade da comunidade;

VII) Defender a radiodifusão comunitária: uma emissora comunitária deve defender os princípios e as lutas do movimento de radiodifusão comunitária, denunciar as violências praticadas pelo Estado e as campanhas difamatórias dos donos da mídia comercial (tipo: “rádio comunitária derruba avião”); VIII) Lutar pela democratização da comunicação: enquanto não houver democracia na comunicação não haverá democracia plena no Brasil. Esta é uma luta da maioria da sociedade brasileira e, para as emissoras comunitárias, deve ser uma bandeira permanente de luta;

A publicidade dirigida ao público infantil

1) Desejo e poder de compra
As propagandas criam ou ampliam o desejo pelo consumo dos objetos veiculados. Se a publicidade é realizada com competência, é, de fato, isso o que acontece, embora se deva ressaltar que a criança não é um ser passivo: ela tem desejos e interesses próprios que a dirigem para vontades de aquisição de certos objetos, não de outros, isso desde a mais tenra infância. Porém, mesmo feita essa ressalva a respeito da progressiva construção da autonomia por parte da criança, não deixa de ser ponto central e pacífico a influência que ela certamente não deixará de sofrer ao assistir a propagandas especialmente dirigidas para a sua faixa etária. Aliás, tal afirmação não vale apenas para a criança, mas igualmente para os adolescentes e adultos, potencialmente também influenciáveis pelas propagandas. Não fosse o caso, não se gastaria tanto dinheiro para produzi-las e veiculá-las.

Dois problemas, então, se colocam: o primeiro trata-se do caso da criança pobre, que não poderá ter acesso às mercadorias desejadas. O segundo, que se coloca para as crianças de todas as classes sociais: despertar desejos de consumo de objetos totalmente inúteis ou até inapropriados para os pequenos consumidores. Fixemo-nos no problema da criança pobre, cujos pais não têm dinheiro para comprar a plêiade de objetos sedutores (freqüentemente muito caros). Ela poderá ficar frustrada, e a recusa dos pais poderá abalar a relação entre pais e filhos. Pode acontecer de pais preferirem comprar objetos veiculados pelas propagandas a gastarem o dinheiro com outras coisas mais úteis para o desenvolvimento e saúde dos filhos (como livros, alimentos de boa qualidade etc.). Tal fenômeno deva ocorrer até nas classes sociais mais abastadas: basta ver o número de crianças com celulares, roupas de grife, dentre outras, para deduzir que, em variados casos, até coisas essenciais à infância deixaram de ser adquiridas.

As ponderações acima feitas não dizem diretamente respeito à publicidade infantil, mas também a várias formas de propaganda destinadas a públicos de maior idade. Despertar desejos de compra entre a população mais pobre é o que as propagandas certamente fazem, sejam elas dirigidas a adultos, sejam a adolescentes ou a crianças. Conhece-se a famosa metáfora do cão que fica olhando para máquinas de assar frangos: é tortura, pois a comida está ali, pode despertar o apetite até de quem não está faminto, mas é inatingível! Ora, tal metáfora aplica-se à maioria das publicidades, notadamente às veiculadas na televisão: elas escancaram a existência de variados objetos e serviços, e os apresentam como desejáveis, embora sejam inalcançáveis para a maioria da população. Portanto, esse ponto transcende a questão da relação criança/publicidade, pois tal ponto, a rigor, pouco tem a ver com a idade de quem é exposto aos anúncios. Pode haver abalos na relação pais/filhos, mas penso que exagera quando também afirma que algumas crianças “terminam por querer à força o objeto de seu desejo”. Não discordo dessa afirmação, mas o documento passa a idéia de que essa seria uma característica estritamente infantil. É claro que algumas crianças poderão ser levadas a essa forma de violência, mas adolescentes e adultos também poderão optar pela mesma via e, provavelmente por até mais.

Em resumo, é necessário fazer uma distinção mais clara do que se refere aos efeitos da publicidade em geral, como despertar desejos insaciáveis em razão do poder aquisitivo da pessoa, daqueles específicos da infância, como criar atritos entre pais e filhos ou levar esses últimos a gastarem seu dinheiro com objetos que não deveriam ser prioritários, deixando de adquirir aqueles que deveriam sê-lo. Outro aspecto importante está relacionado às características psicológicas da criança: a imaturidade emocional e intelectual.
2) A “manipulação"

O conceito de “manipulação” não se associa necessariamente a um valor negativo. Manipulam-se objetos, por exemplo. Qualquer discurso que vise a convencer outrem se traduz numa forma de manipulação. O compositor, ao fazer a sua música, tem por objetivo envolver o ouvinte, seduzi-lo com novos sons, e, assim, manipula-o, como manipula seus leitores o romancista que consegue fazê-los se emocionar. Portanto, se problema moral há com a manipulação, esse não se resume ao fato de ela existir em variadas relações sociais.

O problema moral ocorre quando o beneficiário da manipulação é o manipulador, e não a pessoa manipulada. Voltando ao exemplo do compositor, se ele consegue obter transformações na forma e o ouvinte apreciar música, esse ouvinte é o primeiro beneficiado. O mesmo pode ser dito do escritor ou do argumentador. Entretanto, pode ocorrer da manipulação ser feita com objetivo de instrumentalizar outrem para benefício de quem manipula. Por exemplo, se alguém procura convencer outra pessoa de que seu interesse está em fazer tal ou tal coisa, quando, na verdade, tal interesse inexiste, sendo que o convencimento alheio trará proveito para quem procura inculcar-lhe certas idéias, temos uma transgressão moral. É de Kant a bela fórmula (imperativo categórico): devemos sempre agir de modo a que o outro seja um fim em si mesmo, e não um meio. Voltando ao tema das publicidades, devemos nos perguntar do ponto de vista moral, qual o seu fim, o seu objetivo? Beneficiar a quem a assiste? Ou beneficiar a quem produz e vende o produto?

Alguém poderá fazer a seguinte ponderação: é claro que o objetivo primeiro da publicidade é vender o produto, logo, beneficiar o anunciante, mas o senso moral deste não deixa necessariamente de existir, pois ele criou um objeto que não cria danos ao consumidor, e não há, na sua publicidade, nada que discrimine ou humilhe o cidadão. Sim, porém, com que direito ele, o anunciante, resolve “penetrar” a psique alheia para, de certa forma, transformá-la em benefício próprio? Pois é isso que as propagandas fazem, e fazem cada vez mais: basta ver que cada vez menos cantam as glórias do produto em si, e cada vez mais fala das supostas qualidades pessoais do “feliz comprador”.

Contudo, mais uma vez, alguém poderia dizer que as pessoas são bastante inteligentes e fortes para não se deixarem manipular pelas publicidades. Admitamos que isso seja verdade para os adultos, mas será que o é para as crianças? Agora, sim, estamos numa problemática tipicamente infantil. “Em relação à publicidade infantil, existe a preocupação em saber se o público-alvo tem condições de avaliar a importância, o interesse e a capacidade de aquisição do que se anuncia?”.
Os profissionais da publicidade, ou parte deles, talvez não tenham essa preocupação. No entanto, quem visa a proteger as crianças deve tê-la. Analisemos a questão por intermédio dos conhecimentos da Psicologia do Desenvolvimento. Afirma o documento que “as crianças não têm, e os adolescentes não têm a mesma capacidade de resistência mental e de compreensão da realidade que um adulto e, portanto, não estão em condições de enfrentar com igualdade de força a pressão exercida pela publicidade no que se refere à questão do consumo. A luta é totalmente desigual.”. Lembremos do CDC – Código de Defesa do Consumidor, que proíbe se tirar proveito “da deficiência de julgamento e experiência da criança.

Abordemos alguns dos termos empregados nas citações acima, começando pela “capacidade de resistência mental”. Dois termos psicológicos devem ser aqui lembrados: autonomia e força de vontade. O conceito de autonomia é polissêmico. Em Psicologia costuma ser empregado para se referir à capacidade de discernimento e de juízo, sem referência a alguma fonte exterior de prestígio e/ou autoridade. Na área moral, por exemplo, a criança não-autônoma, portanto, heterônoma (ou heteronímica), legitima regras de conduta porque estas são valorizadas e colocadas pelos seus pais. Outro exemplo, na área do conhecimento, é o de que ela tende a pensar como necessariamente verdadeira as afirmações vindas de figuras de autoridade. Nos dois exemplos dados, a legitimação da regra ou da verdade não se deve a um trabalho intelectual de análise, mas, sim, pela submissão da consciência a pessoas consideradas superiores.

A heterônoma pode também ser decorrente da submissão do juízo pessoal ao juízo dominante num grupo, que, nesse caso, desempenha o papel da autoridade. Note-se que a heterônoma não é apenas característica infantil, pois muitos adultos permanecem a vida toda na dependência de dimensões transcendentes à sua própria consciência, para julgarem e conhecerem. Todavia, no caso dos adultos, tal heterônoma apresenta-se mais em decorrência de sua visão de mundo do que de limitações intelectuais inerentes à idade. Ora, no caso da criança, tal inerência existe! Se a criança coloca-se, sobretudo, numa posição de heterônoma, é porque, por um lado, ela está iniciando-se às regras, aos valores e aos conhecimentos do mundo em que vive e, para tanto, seguir “guias” torna-se tão natural quanto necessário; por outro, porque sua capacidade cognitiva ainda não lhe permite estabelecer relações de reciprocidade, relações essas necessárias à autonomia.

As autonomias intelectuais e moral são construídas paulatinamente. É preciso esperar, em média, a idade dos 12 anos para que o indivíduo possua um repertório cognitivo capaz de liberá-lo, tanto do ponto de vista cognitivo quanto moral, da forte referência a fontes exteriores de prestígio e autoridade. Decorre do que foi rapidamente lembrado acima que, se interpretarmos “resistência mental” como a capacidade de passar as mensagens alheias pelo crivo da crítica, temos de fato que tal resistência, na criança, é inferior à do adulto. Como as propagandas para o público infantil costumam ser veiculadas pela mídia, e a mídia costuma ser vista como instituição de prestígio, é certo que seu poder de influência pode ser grande sobre as crianças. Logo, existe a tendência de a criança julgar que aquilo que mostram é realmente como é, e que aquilo que dizem ser sensacional, necessário, de valor, realmente possui essas qualidades. Acrescentaria aqui que é coerente com o espírito de todo o texto do Decreto a referência ao emprego de personagens que dirigem programas infantis. Com efeito, tais personagens costumam ter grande prestígio aos olhos da criança costumam ser, para elas, quase que figuras de autoridade: logo, seu poder de influência é grande e acaba sendo exercido, não em benefício da criança, mas sim do anunciante.

Quanto ao adolescente, não vale o que acaba de ser analisado no que tange à falta de autonomia moral e intelectual. Que ele tenha “menos resistência mental” que um adulto, é claro. Entretanto, isso se deve mais à falta de experiência de vida do que a características estruturais do seu intelecto e de sua moral. Logo, assim como de um adulto de 30 anos espera-se maior capacidade de “resistência mental” a tentativas de manipulação do que de um adulto de 20, espera-se mais desse último do que se espera de um adolescente. Trata-se mais de uma diferença de grau do que de estrutura. Acabamos de falar da dimensão intelectual da referida “resistência”, mas é preciso falar também da dimensão afetiva. E, para tanto, devemos falar de “vontade” e “força de vontade”. Com efeito, para resistir a propostas que procuram nos fazer sonhar com momentos de prazer e alegria, precisamos ter, nós mesmos, outros desejos de prazer e alegria. Dito de outra maneira, é mais fácil induzir alguém, que não sabe bem o que quer, a desejar algo que lhe propomos do que ter o mesmo êxito com alguém que já tem um projeto definido.

Os conceitos de “vontade” e “força de vontade” pode nos ajudar a equacionar a questão. Vamos entender “vontade” como energia afetiva passageira e isolada, que pode ser forte ou fraca. Tal definição corresponde a expressões tais como “tenho vontade de beber água”, “tenho vontade de ir ao cinema”, “não tenho vontade de dormir”. Vamos definir “força de vontade” como energia afetiva forte: “é preciso força de vontade para treinar horas por dia”, “é preciso força de vontade para levar a cabo um trabalho longo”, “não se deixar abalar pelo fracasso é prova de força de vontade”, dentre outros exemplos. Isso posto, verifica-se que a força de vontade é energia afetiva mais forte do que a vontade. Vejamos um exemplo: Enquanto uma pessoa está arrumando os livros de sua biblioteca num domingo à tarde, ela recebe um telefonema por meio do qual a convidam a passar à tarde num sítio. Imaginemos que a tarefa de limpar e classificar os livros sejam, para ela, tediosos. E imaginemos também que ela muito aprecia saída a sítio para conversar com os colegas.

Nesse caso, é muito provável que o convite seja muito atrativo e que ela tenha vontade de aceitá-lo, o que acarretaria abandonar a tarefa de arrumação. Todavia, imaginemos também que tal trabalho seja necessário para a boa conservação dos livros, que a organização correta da biblioteca seja necessária ao desenvolvimento de seu trabalho, que lhe permitirá receber alunos em melhores condições, e assim por diante. Imaginemos, portanto, que o trabalho de arrumação, embora maçante, tenha variadas conseqüências. No quadro assim descrito, se a pessoa em questão aceitar o convite, diremos que foi porque teve vontade. E diremos que, se o recusa para permanecer na sua labuta, é porque teve força de vontade.

Pois bem, aceita essa diferenciação e hierarquia de forças entre a vontade e a força de vontade, cabe-nos perguntar por que a segunda é motivação mais poderosa do que a primeira. A resposta parece estar na tese da descentração afetiva. Voltando a nosso exemplo, o querer ir ao sítio é, certamente, momentaneamente mais forte do que o querer permanecer na faxina. Todavia, esse segundo querer torna-se mais forte que o primeiro porque o interessado sabe que a arrumação que está realizando articula- se a outros quereres: trabalhar em melhores condições, achar mais facilmente suas referências, receber de maneira mais agradável e produtiva seus alunos etc. O querer ir ao sítio, quanto a isso, não se articula com nada além da perspectiva do prazer momentâneo.

Dito de outra maneira, a arrumação faz parte de um projeto, enquanto que o passeio é apenas vontade passageira e isolada. A força de vontade, portanto, nada mais é do que o resultado da projeção, o futuro, das conseqüências dos atos, projeção essa que permite avaliar o valor de cada vontade. Cabe a pergunta: as crianças são capazes de força de vontade, ou são mais movidas por vontades passageiras? A resposta está do lado das vontades passageiras. Não quero dizer, com isso, que lhes falte força de vontade. Em certos casos, elas a possuem. O que quero enfatizar é que, não raramente, são mais motivadas por aquilo que as atraem momentaneamente do que por projeções de resultados possíveis. Isso se deve a duas razões. Em primeiro lugar, a dificuldade de descentração, tanto cognitiva quanto afetiva. Em segundo lugar porque, nessa fase da vida, ainda não há (e nem deve haver) reais projetos, reais projeções consistentes para o futuro. O “aqui e agora” ainda permanece forte, como é forma motivacional maior a perspectiva de satisfações imediatas do que aquela de satisfações a médio e longo prazos.

Voltando ao tema da publicidade infantil, decorre do que acabamos de ver que os anúncios podem, de fato, despertar vontades, porque incidem sobre a relativa inconstância dos quereres infantis. Como dito, é mais fácil despertar vontades em quem ainda não se fixou sobre quereres próprios do que em pessoas que já possuem algumas metas definidas. Logo, a resistência afetiva aos apelos publicitários corre o grande risco de ser fraca e, logo, de os anunciantes terem êxito em seduzir a criança a querer algo que, minutos antes de ver o anúncio publicitário, ela nem sabia que existia e, portanto, não desejava. Tanto é verdade, aliás, que, não raramente, vêem-se crianças, num primeiro momento, encantadas em receberem o objeto cobiçado desde o momento em que o viram num anúncio e, num segundo (às vezes poucas horas depois), desinteressarem-se completamente dele. Diga-se, de passagem, que o atual mundo do consumo vive dessas ilusões: se as pessoas comprassem apenas aquilo que correspondesse a necessidades e projetos pessoais, não haveria tanta gente nos shoppings! Mas os adultos são responsáveis por aceitarem ser iludidos; as crianças, não!

E os adolescentes? Vimos que, no que tange à autonomia intelectual e autonomia do juízo moral, destacam-se das crianças, não cabendo a eles, portanto, as mesmas ponderações. Na dimensão afetiva da resistência às pressões da publicidade, o quadro diferente. Por um lado, é claro que os adolescentes são bem mais capazes, do que as crianças, de descentrações afetivas e força de vontade. Logo, a publicidade não encontra, neles, indivíduos tão inconstantes em seus quereres. Porém, seria um erro pensar que já possuem projetos claros, investimentos afetivos a longo prazo. Eles ainda estão em busca da construção de suas identidades, ainda são inconstantes nos seus desejos e, portanto, alvo ainda frágil das pressões publicitárias. Efeitos nocivos da publicidade não estarão tanto em fazê-los comprar todo e qualquer objeto contanto que bem apresentado (como é o caso para os brinquedos infantis), mas, sim, em levá-los a adquirir coisas que, para eles, se associem à busca identitária (roupas, por exemplo). Como a construção de identidade é coisa da maior importância, deve-se evitar que ela seja influenciada por mensagens de pessoas cujo objetivo não seja, de alguma forma, ajudar o adolescente a “se encontrar”, mas, sim, aproveitar as suas dúvidas e hesitações para obter lucros com a venda de objetos e serviços. O adolescente também precisa, portanto, ser protegido.

3) Compreensão da realidade
No texto do decreto está escrito, como citado, que as crianças e adolescentes não têm a “mesma compreensão da realidade que um adulto”. Lê-se também que no CDC consta “a deficiência de julgamento e experiência da criança”, e no decreto repete-se o termo “deficiência de julgamento”, acrescido dos conceitos de “ingenuidade” e “credulidade”. Antes de mais nada, é preciso sublinhar a infeliz escolha do termo “deficiência”. Pelo menos em Psicologia, não existe, em absoluto, referência a essa suposta deficiência. Além disso, de que o intelecto infantil é menos sofisticado que o do adulto sabe-se muito bem. Contudo, que isso seja descrito como deficiência pode levar a negar toda a riqueza do pensamento das crianças.

Todas as teorias do desenvolvimento afirmam-no que a criança tem uma inteligência extremamente ativa, que é muito observadora, que estabelece relações entre os fenômenos que presencia e entre as idéias que tem ou que percebemos os outros. Portanto, do ponto de vista funcional, não há diferença entre a inteligência adulta e a infantil, e muito menos deficiência da segunda em relação à primeira. Em compensação, há diferença de estrutura. Dos dois aos sete anos em média, a criança ainda não possui as ferramentas intelectuais necessárias ao estabelecimento de demonstrações lógicas e para perceber e superar as contradições, quando presentes, nos raciocínios próprios e nos dos outros. E, dos sete aos 12 anos, sempre em média, embora tais ferramentas já tenham sido construídas, permanecem apenas aplicáveis a situações concretas, concreto significando aqui referência a experiências vividas, e não a virtuais ou possíveis. Dito de outra forma, nessa fase a criança está no mundo do real, e não do possível. A partir dos 12 anos, suas estruturas mentais assemelham-se às do adulto, faltando-lhe, é natural, o acúmulo de conhecimento e experiências de vida que não deixará de ter.

Portanto, é correto dizer que a criança não tem a mesma compreensão do mundo que o adulto, se for entendido, com essa afirmação, que, além da menor experiência de vida e de menor acúmulo de conhecimentos, ela ainda não possui a sofisticação intelectual para abstrair as leis (físicas e sociais) que regem esse mundo, para avaliar criticamente os discursos que outros fazem a seu respeito. No que diz respeito à sua relação com a publicidade a ela dirigida, é claro que muitos de seus elementos podem muito bem ser compreendidos pela criança. Note-se que tais anúncios costumam ser bem simples do ponto de vista da elaboração intelectual. Aliás, se não o fossem, deixariam a criança desatenta e desinteressada.

Porém, não devemos nos esquecer de que a publicidade é um discurso, com frases e imagens. Mais ainda: é um discurso sobre o possível, sobre o virtual, pois fala de algo e de situações que, freqüentemente, não correspondem a experiências vividas pelo pequeno consumidor cobiçado. Logo, para avaliar o seu real valor, para perceber possíveis contradições ou falta de precisão, são necessárias estruturas operatórias. Tomemos um exemplo: há propagandas de brinquedos – carrinhos, bonecas, jogos etc. – que são feitas de tal forma que trazem uma imagem deles diferente do que são na realidade.




Essas propagandas não “mentem” a respeito do que seja o brinquedo, mas, certamente, podem enganar a quem as assiste, em relação aos efeitos que prometem se comprados. Vêem-se, por exemplo, carrinhos fazendo piruetas espetaculares, que, na realidade, quando de fato dão, fazem-no num espetáculo muito inferior àquele apresentado, graças a jogos de imagens cuidadosamente planejadas. Ora, para avaliar a distância que não deixará de haver entre as imagens mostradas na televisão e a realidade é necessária as ferramentas intelectuais de que falamos, é preciso avaliar a relação entre o “real” (no caso, o que se está vendo na tela) e o possível (o que será, quando manipulado com as próprias mãos).

Isso nem sempre é fácil para os adultos, e menos ainda o será para crianças de até 12 anos, sobretudo para as de até sete anos. Nesse ponto, podemos falar em “ingenuidade” (acreditar que o que se vê na tela corresponderá, necessariamente, ao que se terá em mãos) e em credulidade, pelas mesmas razões, acrescidas daquelas que comentamos, a respeito da importância das referências infantis a figuras de prestígio e de autoridade. Logo, é certo que certas propagandas podem enganar as crianças, vendendo-lhes “gato por lebre”, e isso sem mentir, mas apenas apresentando discursos e imagens que não poderão ser passados pelo crivo da crítica.
4 – Considerações finais quanto à publicidade infantil

1. Se a publicidade desperta desejos de consumo, tal realidade não diz respeito apenas à criança, mas, sim, a todos: crianças, adolescentes e adultos. Se a pessoa for pobre, tal exposição ao mundo sedutor das compras pode, de fato, levar a variadas frustrações e, em alguns casos, a formas violentas e se apoderar dos objetos cobiçados. Tais frustrações e atos violentos também não dizem respeito apenas ao mundo da infância. Quanto a esse mundo, podem ocorrer conflitos intrafamiliares, decorrentes da impossibilidade de os pais atenderem aos pedidos de seus filhos, pedidos às vezes decorrentes da sedução produzida pela publicidade. Pode também ocorrer dos pais, para fugir dos conflitos (ou por serem eles mesmos inspirados por padrões de consumo), gastarem seu dinheiro comprando objetos veiculados na mídia e, em conseqüência, deixarem de dar aos filhos coisas importantes ou necessárias para a sua educação.

2. Sendo as crianças de até 12 anos, em média, ainda bastante referenciadas por figuras de prestígio e autoridade – não sendo elas, portanto, autônomas, mas, sim, heterônomas – é real a força da influência que a publicidade pode exercer sobre elas, força essa que pode ser sensivelmente aumentada se aparecem protagonistas e/ou apresentadores de programas infantis. Os adolescentes, embora já em parte liberados de referência a autoridades, estão sujeitos a influências externas no que tange ao delicado e importante processo de construção de suas identidades.

3. Não tendo as crianças de até 12 anos construído ainda todas as ferramentas intelectuais que lhes permitiriam compreender o real, notadamente quando esse é apresentado por meio de representações simbólicas (fala, imagens), a publicidade tem maior possibilidade de induzir ao erro e à ilusão. Isso não se aplica a adolescentes.

4. As vontades infantis costumam ser ainda passageiras e não relacionadas entre si de modo a configurarem verdadeiros objetivos. Logo, as crianças são mais suscetíveis do que os adolescentes e adultos de serem seduzidas pela perspectiva de adquirem objetos e serviços a elas apresentados pela publicidade. De tudo que foi exposto, deduz-se que, de fato, as crianças e, em parte, os adolescentes devem ser protegidos e, portanto, que é necessária uma regulação precisa e severa do mundo da publicidade para crianças.

Acrescentaria rapidamente dois pontos a serem, a meu ver, contemplados: O primeiro diz respeito à presença de crianças como atrizes nas propagandas. Essa presença infantil poder ter influência sedutora sobre o público infantil, aproveitando-se de seu nível de crítica ainda pequeno, essa veiculação faz com que as crianças-atrizes sejam colocadas em evidência, o que pode trazer prejuízos para a preservação de sua privacidade e intimidade. Sabe-se que a construção da intimidade dá-se durante a infância e que a capacidade de defendê-la, ou seja, de controlar o acesso de outrem ao “eu”, é de suma importância para o equilíbrio psicológico humano. É de se temer que a exposição decorrente da participação em publicidade (em geral desejada pelos pais, que se deliciam com a fama dos filhos) cause prejuízo à referida construção. Penso que, também nesse campo, a criança deva ser protegida.

O segundo ponto refere-se às propagandas que não visam à criança como consumidor, mas como comprador. Por exemplo, no dia das mães e dos pais, não raras são as propagandas dirigidas a crianças, para que comprem objetos (como celulares) que não servirão para o seu consumo próprio, mas, sim, para serem dados de presente. Não sei se o decreto também incidiria sobre esse tipo de publicidade, que, embora dirigida para o público infantil, pretende vender objetos adultos. Note-se que esse tipo de publicidade freqüentemente coloca em cena relações pais-filhos, e que tais relações podem ser mal trabalhadas. A guisa de exemplo, lembra-me de uma publicidade na qual se vê um menino presenteando a mãe com um celular e deixando-a acreditar que ele se esforçou (economizando a mesada, supõe-se) para dar tal presente. Trata-se de uma cena de clara mentira, de flagrante enganação, porque aprendemos, pelo pai, que o celular em questão custa apenas R$1,00. Ora, a mãe, ao invés de ficar desapontada e brava com o filho, limita-se a dizer que ele é avarento como o pai, mas que tem bom gosto como ela. Trata-se, portanto, de uma reação “educacional” que contraria a todo e qualquer valor moral! Pior ainda: se os pais são os primeiros a acobertarem, ou a até mesmo incentivarem, as transgressões morais dos filhos, não há autonomia, nem até mesmo heterônoma possíveis: há anomia. Parece-me que tais propagandas sejam nocivas para as crianças e que alguma lei deva poder impedir sua divulgação.

Gostaria de finalizar o texto fazendo uma ponderação de ordem geral. É louvável que se criem leis que protejam a criança de influências externas, as quais ela tem dificuldade de perceber, e às quais tem poucos recursos para resistir. Todavia, em se tratando do consumo, onipresente na sociedade atual (fala-se mais em consumidores do que em trabalhadores), por melhores que sejam as leis de proteção, a criança ainda será submetida a uma avalanche de mensagens sedutoras, e será ela mesma uma consumidora. Logo, além de protegê-la, é preciso prepará-la para ser uma consumidora consciente. Isso se faz com educação. Não nos esqueçamos de que o Brasil já criou um instrumento para preparar os alunos para o mundo do consumo e do trabalho.

Trata-se do documento intitulado “Consumo e Trabalho”, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Como fui consultor dos PCNs, sou suspeito para defender a sua qualidade. Todavia, posso dizer que, mesmo que não se aprecie o referido documento, mesmo que não se concorde com a estratégia pedagógica da transversalidade, o fato é que uma proposta nacional existe e ela pode servir de ponto de partida (aliás, é esse o espírito dos PCNs: apresentar idéias de ordem geral que deverão ser concretizadas, respeitando-se as características de cada estado, cidade, município, e até mesmo de cada escola) para empreitadas educacionais que são, a meu ver, incontornáveis, como é o caso da relação criança/consumo, criança/publicidade.

A mídia não deve ter donos, deve servir a sociedade

É difícil pensar em desenvolvimento de uma sociedade quando não existe acesso à informação. A população brasileira precisa receber a informação verdadeira, completa e sem manipulações. Os interesses a serem defendidos pelos meios de comunicação não são de um ou outro cidadão, e sim do coletivo. É errado criar verdades inexistentes, transformar trabalhadores em criminosos e marginalizar as pessoas que não possuem poder aquisitivo. Todo cidadão brasileiro e toda cidadã brasileira devem ter respeitados sua liberdade à manifestação do pensamento, conforme previsto na Constituição Federal. Tal prerrogativa inclui a proibição a qualquer tipo de censura, seja ela formal, via imposição pelo uso da lei ou da força, ou informal, por meio da restrição causada pelo abuso do poder econômico. O Estado deve adotar medidas de regulação sobre a estrutura do sistema de comunicações, a propriedade dos meios e os conteúdos veiculados para garantir que essa liberdade seja desfrutada de forma ampla, sem estar limitada aos que detêm o poder político e/ou econômico, para que o uso desta liberdade não possa violar outros direitos humanos.
O que precisamos é de um país democrático, onde os meios de comunicação estejam a serviço da sociedade e não apenas dos grupos econômicos que fazem das concessões públicas um espaço privado para ditar regras, omitir ou deturpar informações, e ainda para opinar sobre os fatos sociais com o intuito de fazer com que a população compartilhe e reproduza suas opiniões. A grande mídia brasileira não mede esforços para intervir e manipular a vida política e social do país. Vivemos uma realidade distorcida, onde as concessões públicas parecem ter donos, quando na verdade elas pertencem ao povo. Quem nunca ouviu frases do tipo “É claro que a gazeta não vai falar mal do Collor, a televisão é dele!”. Essa consciência coletiva de que algumas pessoas têm o poder de dispor do nosso direito à informação é um dos primeiros problemas a serem discutidos na conferência de comunicação.
A criminalização da pobreza é um fenômeno criado e alimentado pela mídia, como se um pobre que mata uma pessoa fosse pior que ladrões do dinheiro público, que matam diariamente várias pessoas na fila do hospital sem atendimento, deixam crianças sem escola ou estudando em estrutura precária. Isso tudo é conseqüência da falta de um acompanhamento mais aprofundado da sociedade sobre a informação que é produzida e disseminada. Temos tanto direito à informação quanto a saúde, saneamento básico ou educação, mas na verdade ninguém reclama contra o conteúdo errado, ou a falta de qualquer conteúdo, na sua televisão, rádio, jornal, etc.
Temos exemplos absurdos, aonde um jornal de grande circulação nacional chegou a afirmar que a ditadura militar não aconteceu, ou que ela foi uma “ditabranda”. Essa falta de respeito com a história do país, com as pessoas que morreram ou até hoje estão desaparecidas, fica impune. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra vive sendo chamado de bandido, acusado de vandalismo e desrespeito ao patrimônio público, isso porque os “donos da mídia” são também os latifundiários, que se apropriam das terras do governo de forma ilegal e não querem ser incomodados com uma reforma agrária que trará justiça social para o país.

No âmbito local, podemos citar como exemplo o calvário que os servidores públicos estaduais estão passando, há três anos sem aumento e sendo acusados de mercenários pela mídia, que está ligada aos interesses do governador. E quanto aos meios de comunicação comunitários? As rádios comunitárias são perseguidas, dependem de uma burocracia enorme, e quando conseguem concessões, precisam enfrentar o preconceito que a sociedade já assimilou, através da mídia que apregoa mitos dizendo que essas rádios são piratas e derrubam aviões.

Essa luta é em defesa de uma comunicação que respeite a diversidade de gênero, raça, etnia, pessoas com deficiência física e de orientação sexual; Que contemple as diferenças culturais do nosso país em seu conteúdo, que passe informação com dignidade, que respeite o trabalhador, e contribua com uma sociedade igualitária, como preza a constituição.

Os estudantes de Comunicação Social e a Conferência de Comunicação

A construção da Primeira Conferência Nacional de Comunicação Social é fundamental no processo de criação de políticas públicas de comunicação no país. Em uma nação aonde a comunicação vem sendo tratada como moeda de troca, é hora de dar um basta nesse banquete orquestrado pelo ministro Hélio Costa, que serve à classe dominante e reserva apenas a indigestão de conteúdo para a população brasileira.

O controle da comunicação tem que estar nas mãos do povo e não podem ser controladas por menos de dez famílias, as mesmas que se alternam no cenário político nacional para se fingir de representante do povo. Nós, estudantes e lutadores da classe trabalhadora, somos integrantes do povo e pelo povo clamamos por uma mudança imediata no sistema de comunicação social brasileiro.

Propomos mudar o nome de concessão pública para “oferta da amizade”. Quem é amigo do governo e dos parlamentares ganha concessão de rádio, televisão, aparelho de tele transporte, e quem não é amigos dessas figuras políticas pode comprar um aparelho de rádio, televisão e um sofá para assistir e apenas receber a informação sem interferir.

A comunicação que queremos não é essa que está sendo imposta ao Brasil, mas sim uma comunicação negra, gay, lésbica, feminista, indígena, regional, comunitária, popular, diversa e revolucionária. Vamos disputar a Conferência Nacional de Comunicação Social para barrar o monopólio midiático, o piquenique do controle da comunicação e, principalmente, estamos nessa conferência para nos unir aos movimentos que enfrentam patrões e governos para democratizar os meios de comunicação.

Juntamo-nos à Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (ENECOS) e as demais entidades do Movimento Nacional Pró-conferência de Comunicação nessa grande luta travada nesse momento, em que ninguém pode se ausentar desse espaço e mais que disputar, devemos multiplicar essa idéia de transformar essa realidade.

Essa conferência não representa o início nem o fim dessa transformação, mas é um dos vários espaços que temos que disputar e aglutinar forças para a construção de uma comunicação socialmente referenciada.

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